terça-feira, novembro 13, 2012

Dez réis de esperança

Se não fosse esta certeza 
que nem sei de onde me vem, 
não comia, nem bebia, 
nem falava com ninguém. 
Acocorava-me a um canto, 
no mais escuro que houvesse, 
punha os joelhos á boca 
e viesse o que viesse. 
Não fossem os olhos grandes 
do ingénuo adolescente, 
a chuva das penas brancas 
a cair impertinente, 
aquele incógnito rosto, 
pintado em tons de aguarela, 
que sonha no frio encosto 
da vidraça da janela, 
não fosse a imensa piedade 
dos homens que não cresceram, 
que ouviram, viram, ouviram, 
viram, e não perceberam, 
essas máscaras selectas, 
antologia do espanto, 
flores sem caule, flutuando 
no pranto do desencanto, 
se não fosse a fome e a sede 
dessa humanidade exangue, 
roía as unhas e os dedos 
até os fazer em sangue.


António Gedeão

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