quarta-feira, fevereiro 27, 2008

Livre!

Hoje vou contar uma história que nunca contei aqui. E vou fazê-lo porque hoje se fechou esse ciclo. Esta manhã fui dispensada pelo meu médico! Sim, levantei-me, fui à consulta, fartei-me de rir com esse senhor por quem sinto tanto carinho e apreço e sai de lá com ordem para não voltar. Ok, não foi bem assim. Vamos começar do início. A 5 de Abril de 2006 fui operada àquilo que os médicos pensavam ser uma apendicite. No final da operação disseram-me que afinal se tinham enganado, que estava tudo bem com o meu apêndice. A 16 de Maio - nunca esquecerei este dia, dois dias antes de o meu pai fazer anos - o médico disse-me, tão espantado quanto eu, que afinal o meu apêndice tinha um problema grave. Para quem não percebe estes procedimentos, deixem-me esclarecer: depois de uma operação os tecidos são analisados num laboratório. O meu apêndice tinha afinal um tumor neuroendócrino do tipo carcinóide. Mais uma vez, para quem não sabe, a palavrinha carcinóide confere ao tumor tudo aquilo que não queremos. É maligno! Enfim, sem me querer alongar muito, este tipo de tumor não reage a tratamentos com quimioterapia nem radioterapia e, por norma, apenas suscita sintomas quando já está metastizado, normalmente a partir do fígado. Aprendi isto com os ensinamentos do meu médico - um Santo com paciência infinita - e as minhas deambulações pela Internet. Essa é, aliás, a razão que me leva a expor o meu caso no blog. Como é um problema relativamente raro, há pouca informação disponível sobre o assunto e mesmo os médicos não têm protocolos de procedimento com esta doença como acontece, por exemplo, com o cancro da mama ou da próstata, que já estão catalogados em níveis de estadiamento e tratamentos a adoptar.

Enfim, a partir daqui eu e o meu médico começámos uma verdadeira odisseia que agora vos conto. A 22 de Maio fiz uma TAC, a primeira da minha vida. Fui sozinha para o hospital - tenho esta mania - mas estava tão nervosa que não conseguia parar de chorar. Puseram-me ao cuidado de uma estagiária de Psicologia que a primeira frase que me disse foi: "Uma amiga minha morreu no ano passado com essa doença!". Felizmente estava tudo bem, de acordo com o que os médicos observaram na TAC. Sai do hospital a chorar e entrei na primeira Igreja que encontrei. Não me lembro há quantos anos não entrava numa. Este exame e outros permitiram que o médico me dissesse que, "em termos brutos", está tudo bem. Jovem, quase da minha idade, o meu médico, o meu maravilhoso médico, entendeu que me devia submeter a uma cintigrafia, um exame que precisou de autorização específica do hospital, é feito apenas no Hospital de Almada e requer um medicamento que é importado dos Estados Unidos para aquele momento específico. Analisa ao milímetro, com mais precisão que uma TAC, a possibilidade de ter um carcinóide daquele tipo em qualquer outra zona do corpo. Ainda sinto o nó na barriga quando me lembro desse dia, o exame estende-se por várias horas e foi repetido na madrugada seguinte. Ainda me lembro da minha mãe sentada ao meu lado enquanto eu estava a ser examinada. Estava tudo bem! Alívio!

Por uns tempos, a coisa terminou. Mas voltei, meses depois, a repetir a TAC e outros exames complementares. Continuava tudo bem. Agora, este mês, fiz uma colonoscopia, para não passar o resto da vida a injectar líquidos no meu corpo por causa das TAC's. Voltou a estar tudo bem. A literatura médica diz que, em casos como o meu, em que o tumor é menor que um centímetro, o tratamento é feito apenas com a ressecção do mesmo. Hoje o meu médico entendeu que é tempo de largar isto, de seguir a minha vida. Não posso estar continuamente na busca de algo. É um facto que pode acontecer, mas também é um facto que se passaram dois anos e tudo está bem. Como ele diz, não podes deixar de andar de carro apenas porque tiveste um acidente. Como é óbvio ele entende a minha ansiedade e sabe que ela me vai voltar a rondar, mais tarde ou mais cedo. Mas tenho de pensar que é como as plantas. Às vezes são podadas quando um dos ramos ou folhagem está menos bonito. E não volta a nascer necessariamente igual. Na maior parte das vezes, nasce mais bonito e viçoso. Mais saudável.

Volto a esclarecer. Não conto esta história para comover ninguém, nem para que se compadeçam de mim. Nada disso! Conto porque está tudo bem, porque é uma página virada na minha vida mas, sobretudo, porque espero com este testemunho ajudar quem possa neste momento estar a passar pelo mesmo. Às vezes, conhecer quem passa pelo mesmo apazigua. E agora é seguir em frente. Com um sorriso do tamanho do Mundo!